quarta-feira, 31 de março de 2010

Wait for me

ESPERA-ME
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Nas praias que são o rosto branco das amadas mortas
Deixarei que o teu nome se perca repetido
Mas espera-me:
...
Pois por mais longos que sejam os caminhos
Eu regresso.
(Sophia de Mello Breyner Andresen in "Coral")
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Unforgettable - Nat King Cole 

segunda-feira, 29 de março de 2010

sábado, 27 de março de 2010

Bambus

Pelotão de lanceiros
Estratégia colectiva
Poesia geométrica
Alinhada e paralela
Na inclinação da luz
Entre a ordem vegetal
Um insecto rasteja
Junto ao aroma de malmequeres
O vento parou
Coisas simples que sempre lá estiveram
Ao longe os homens dormem
*

Mandara - Somei Satoh

quarta-feira, 24 de março de 2010

O Lago

No quarto inundado de pétalas secas
As folhas caiem sobre a minha cama
Como num lago de que faço parte
Apetece-me desenhar os teus seios
Os mamilos a emergirem da água

And I love her - Beatles

terça-feira, 23 de março de 2010

Gronho III

Gronho e praia da Foz do Arelho às 14h 28min de 23 de Janeiro de 2010
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Written on the sky – Max Richter

domingo, 21 de março de 2010

Gronho II

Gronho e praia da Foz do Arelho às 19h de 19 de outubro de 2009
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In Praise Of Dreams - Jan Garbarek

sexta-feira, 19 de março de 2010

Gronho I

Gronho e Praia da Foz do Arelho em Novembro de 2009
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O “Gronho” é uma formação geológica que termina abruptamente numa falésia talhada a pique mesmo em frente da rebentação do mar. Sempre foi assim denominada pela população e já assistiu a naufrágios importantes (e respectivas pilhagens), a amaragens de aviões e inúmeros fenómenos marinhos que só ele sabe. Como uma formidável entidade mitológica repousando deitada ao longo da lagoa de Óbidos ou prestes a entrar pelo mar adentro, sempre desencadeou curiosidade e admiração. Tem permanecido como uma Presença inspiradora para contemplação, pintura, desenho, fotografias. Todos os dias igual mas sempre diferente perante a atmosfera diária que o enquadra.
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Spirits of Nature - Secret Garden

quarta-feira, 17 de março de 2010

Inside the tree

Corpo
Tronco
Templo
Portal reencontrado
Lugar mágico
Tempo paralelo
Conversar
Com a Luz
Satisfação
Silêncio
Por dentro
Árvore
 Alma
Nós
Ficarmos
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Hanshan Temple - Buddhist Chants 

segunda-feira, 15 de março de 2010

sábado, 13 de março de 2010

A Aberta da Foz do Arelho III



Mais algumas imagens da luta que se continua a travar entre o Mar e o Homem transfigurando aquela que conhecíamos por praia da Foz do Arelho.
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Elegy - Lisa Gerrard & Patrick Cassidy 

quinta-feira, 11 de março de 2010

Francisco

No início da minha carreira médica comecei a ver Doentes no seu domicílio ao serviço dos então denominados Serviços Médicos Sociais (actuais Cuidados de Saúde Primários). Nestas funções fui dedicando especial atenção aos idosos alojados em lares para a 3ª idade. Foram cerca de 8 anos percorrendo o sofrimento imposto – ou não – aos mais velhos. Algumas dessas casas pareciam autenticas câmaras de horrores, em que a proximidade da morte se percebia a cada passo, em cada rosto vazio, em cada corpo abandonado. O odor de roupa suja e de medicamentos impregnava o ar das salas sem janelas mergulhadas num silêncio sem a Esperança. Aos cantos como bonecos sem corda os velhos esperavam a vez, assistindo já indiferentes ao desbobinar do tempo restante. Havia, no entanto, uma casa em especial que me inspirava preocupação. Era como um armazém de idosos governado por uma megera esquelética e de boca retorcida que pigarreava constantemente o seu tabagismo. Sempre de preto gritava ordens em voz cavernosa a uma ajudante de olheiras profundas a boiarem no meio da tez esverdinhada. Essa casa tinha um pátio de cimento, nas traseiras, onde, para além de uma mesa plantada num canto onde uns velhos pareciam jogar dominó desde há séculos, havia uma porta de ferro sempre fechada sob a marquise. Uma vez reparei que a chave tinha ficado espetada na tal porta e – abri-a. Lá dentro havia um odor intenso a creolina e no meio da penumbra distinguia-se um vulto disforme que se arrastava, como as focas, pelo chão coberto de imundícies. Era o Francisco. O Francisco não tinha pernas. Tinha um esboço de pernas. Para não ferir os pés, enquanto se deslocava, atava-lhes umas placas de borracha que se assemelhavam a barbatanas. Como era paralítico, da cintura para baixo, para se mover atirava os membros inferiores para a frente, com um golpe de rins, apoiado nos braços fincados no solo. Com a ajuda de uma empregada menos antipática, lavámo-lo, enfiámo-lo em roupa lavada e demos-lhe uma cama num quarto com cinco velhotes como companhia. Explicaram-me (sem me convencer) que tinha ido temporariamente para a cave porque se tornara muito violento. A partir desse momento o Francisco elegeu-me como o seu protector e esperava ansiosamente a minha visita e a oferta de lembranças do exterior. Aquela que maior satisfação lhe deu foi um rádio portátil no qual ouvia, com fascínio evidente, os relatos de futebol. Pediu-me para lhe “tirar o retrato” a ouvir música e a olhar o sol e andou contente e calmo durante muitos meses. Até que um dia fui dar com ele muito nervoso e impaciente. Com alguma agitação avisava que os velhotes tinham morrido na semana anterior porque lhes deram calmantes demais para dormirem e não incomodar. Que os medicamentos que receitávamos não eram administrados ou eram-no incorrectamente. Que todos se calavam com receio de serem os próximos cadáveres. Não queria que eu visse a tensão e auscultasse. Queria antes que eu o tirasse dali para fora. Numa breve investigação não consegui alguma confirmação e percebi que seria, obviamente, muito difícil comprovar a teoria do Francisco. Nesse dia ia partir para férias e tentei acalmar o Francisco prometendo-lhe que quando regressasse iria estar mais atento e eventualmente tomar as providências necessárias. Foi um Verão com muitos pesadelos em que caravanas de velhos e de velhas me agarravam e puxavam por entre suspiros e, ainda, com o rosto triste e manso do Francisco - quando dele me despedira. Quando voltei não me espantei quando me anunciaram que o Francisco tinha, entretanto, morrido “do coração”. Durante muito tempo carreguei sobre os ombros a interrogação terrível se poderia ou não ter feito mais. Quase um sentimento de culpa e dívida para com o Francisco que nunca passou. Hoje, passados muitos anos, aposentei-me da carreira médica hospitalar e olhando o balanço do que fiz por muitos Doentes, tento resgatar, de certo modo, uma dor funda e antiga. Ouvindo música e olhando o sol, julgo poder dizer-te, Francisco, que nunca mais cheguei tarde.
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Accentus (Samuel Barber) - Agnus Dei

quarta-feira, 3 de março de 2010